terça-feira, 21 de agosto de 2012

Preguiça Melhoral


Já dizia Henri Michaux em 1929:

A alma adora nadar. Para nadar, há que deitar-se de barriga. A alma despega-se e parte. Parte a nadar. (Se a vossa alma parte quando estais de pé, ou sentados, ou de joelhos, ou apoiados nos cotovelos, para cada posição corporal diferente a alma partirá com uma locomoção e uma forma diferentes, segundo concluirei mais tarde).
Fala-se muito em voar. Não é isso. O que ela faz é nadar. E nada como as serpentes e as enguias, nunca de outro modo. Há imensa gente que tem assim uma alma que adora nadar. Chamam-lhes vulgarmente preguiçosos. Quando a alma deixa o corpo pelo ventre para nadar, produz-se uma tal libertação de sei lá o quê, é um abandono, um gozo, uma descontracção tão íntima.
A alma parte a nadar no vão das escadas, ou na rua, consoante a timidez ou a audácia do homem, porque ela conserva sempre um fio que a une a ele, e se esse fio se quebrasse (às vezes é muito fino, mas só uma força terrível o poderia romper) seria terrível para eles (para ela e para ele).
Então, quando ela está entretida a nadar ao longe, escoam-se, por esse simples fio que liga o homem à alma, volumes e volumes de uma espécie de matéria espiritual, como lama, como mercúrio, ou como um gás - gozo interminável.
É por isso que o preguiçoso é incorrigível. Nunca mudará. É por isso que a preguiça é a mãe de todos os vícios. Pois acaso haverá coisa mais egoísta do que a preguiça?
Tem fundamentos que o orgulho não tem.
Mas as pessoas irritam-se com os preguiçosos.
Quando os vêm deitados, batem-lhes, mandam-lhes água fria à cabeça, eles têm de recolher a alma imediatamente. Olham-vos então com esse olhar de ódio bem conhecido, que se vê sobretudo nas crianças.

in "
As Minhas Propriedades"
Fenda, 1998
tradução de José Carlos Gonzále

1 comentário:

Cafeína disse...

E a minha alma quase que nem a banhos foi. Quando dei conta estava a ser sacudida. Oh...well...